Movimentos migratórios raramente ocorrem da noite para o dia; ainda assim, o ano de 1974 pode ser fixado como epicentro na cronologia da migração japonesa. Há exatos 50 anos chegava às terras do Confusão a primeira leva de colonos oriundos de São Paulo e Paraná. outros vieram depois, em anos seguintes.
Simbolicamente, portanto, pode-se cravar 1974 como o ano da Migração japonesa em São Gotardo. Esta precisão se confirma historicamente por ser compreendida como desdobramento natural à publicação, no mês de setembro do ano anterior(1973), de um Decreto de desapropriação assinado pelo Governo Federal de uma extensa área do cerrado para implantação do Padap.
Foi a partir deste documento que governo, nas três esferas de poder, e a extinta Cooperativa Agrícola de Cotia deram início ao processo de assentamento da área desapropriada.
Entre as inúmeras camadas e pontos de interseção que se cruzam e se intercambiam no entorno do Programa de ocupação do cerrado, a migração de famílias nipobrasileiras, por si só já oferece farto material de análise e observação.
Uma história que pode ser dividida em vários capítulos, prevalecendo em cada um deles como força modeladora o inusitado, o imprevisível; a começar pela escolha de São Gotardo como sede do Padap, e também a nova casa das dezenas de famílias de colonos japoneses que aqui aportaram com o propósito de levar à frente uma empreitada até então inédita em terras brasileiras: a exploração agrícola das terras virgens do cerrado.
E assim, de capítulo em capítulo a épica saga foi se desenrolando em novos contornos, sem um fim à vista, passando de mão em mão, de pai para filho, e depois aos netos.
A partir do primeiro contato, ocorrido meio século atrás, o lento processo de integração de culturas tão distintas se limitou, em certa medida, às relações de natureza econômica, centrada na produção agrícola, prestação de serviços, emprego e renda - evidente que repercutindo em outros campos, mas com menor intensidade. Aprendeu-se com o tempo a arte da convivência respeitosa e naturalmente, simbiótica.
O tempo cuidou de pacificar e acomodar universos tão distintos, mas unidos por um propósito comum. Dada a distância continental entre as duas culturas, houve um choque inicial, mas que foi se arrefecendo graças à força propulsora que desencadeou nos anos seguintes uma notável reviravolta econômica aqui no município de São Gotardo. Neste aspecto o Padap, como pano de fundo, consolidou ao longo das últimas décadas o encontro definitivo entre dois povos.
Os japoneses cultivam um forte vínculo às tradições de seu país de origem e sempre fizeram questão de perpetuar entre seus descendentes valores, modos e costumes, como forma de manter os traços de sua identidade única. Este desejo inerente em preservar as tradições, no entanto, nunca se mostrou obstáculo intransponível nas relações humanas de convivência por aqui; ao contrário: a simbiose tratou de acomodar e mesclar modos e costumes em uma espiral virtuosa que hoje, transcorridas cinco décadas, podemos afirmar que compartilhamos da mesma história.
Se o tempo encarregou de assimilar as diferenças e misturar em um mesmo caldeirão caldo de culturas tão distintas, sobram sinais que evidenciam desdobramentos desta interação, e que vão além dos restaurantes de comida japonesa espalhados pela cidade, ou das relações de economia e trabalho nos campos de produção agrícola. Vários descendentes dos primeiros migrantes constituíram família com brasileiros, miscigenando novas gerações de descendentes. Outro sinal claro desta interação pode ser verificado no campo institucional, com especial destaque na gestão de cargos públicos, como a recente eleição de Makoto Sekita ao posto de prefeito do município (e antes dele, de seu irmão Seiji Sekita).
Os primeiros migrantes
Resta saber em que medida a interação entre duas culturas tão distantes no tempo e no espaço, se desdobrou em influência direta entre uma e outra. O que aprendemos com os japoneses e o que eles aprenderam conosco? Certamente algumas camadas são instransponíveis, outras nem tanto.
No livro Portal do Cerrado, o autor explica que “na concepção japonesa de vida, há uma ideia de valorizar mais os meios, nem tanto os fins, como acontece na concepção ocidental. Na cultura oriental, predomina a ideia de que não é tão importante buscar o melhor, a nota 10, o primeiro lugar, mas que, fazendo-se da melhor maneira possível, pode-se chegar ao máximo”.
Vemos na implantação do Padap, quando de seu início, um exemplo de resiliência e disciplina que confirmam à risca este ensinamento. Não se poderia imaginar um desdobramento como se deu. O importante era dar o máximo de si naquele momento de desafio. Esta é uma lição que temos certa dificuldade em aprender: sempre visamos um fim, uma nota máxima, que em boa parte das vezes se acomoda mais bem nas vestes de uma miragem.
Os primeiros migrantes não faziam a mínima ideia, lá no ano de 1974, o que lhes aguardava; isso, sem levar em conta que estamos falando da primeira ocupação do cerrado em terras brasileiras.
Luiz Sasaki, autor do livro citado acima, se formou no curso de agronomia em universidade do Parará e foi contratado pela Cooperativa de Cotia, chegando a São Gotardo em fevereiro de 1974. Ele faz parte do primeiro grupo de migrantes que ao longo daquele ano foram chegando e se instalando na nova colônia. Tamio Sekita, Horácio Muraoka, Naohito Tsugue, Hiroshi Takigami, Massato Sakuma, Koji Sato, José Okuyama, Paulo Shimada...; acompanhados de suas famílias, foram alguns dos primeiros produtores a se intalar aqui no município.
Ao longo dos anos seguintes, até o início da década de 1980, o processo migratório foi se consolidando em seu formato definitivo com a ocupação e distribuição de todos os lotes do Padap. Até meados da década de 1980, a nova colônia já havia se estabelecido como comunidade autônoma. Os resultados positivos obtidos no campo naquela primeira década de experimentalismo e desafios, pavimentaram novos caminhos e novas perspectivas, e uma certeza: vieram para ficar.
As limitações da área cultivável do Padap, já toda ocupada até o início da década de 1990, não representou esgotamento do processo produtivo, ao contrário, serviu de incentivo a novos desafios, com a implementação de novas tecnologias em um moto continuom que perdura até os dias de hoje.
Por tudo isso há que se relembrar e comemorar neste ano de 2024 os 50 anos da migração japonesa. Cinco décadas de história que se inscreve na vida de milhares de famílias que compartilharam e compartilham, direta ou indiretamente desta consagrada saga chamada migração japonesa em São Gotardo.
As fotos de arquivo publicadas nesta página foram gentilmente cedidas por Igor Sasaki, a quem prestamos nossos agradecimentos.