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    Quinta, 19 Dezembro 2019 13:38

    Comigo, cascavel é no chute

    Escrito por José Eugênio Rocha

    Não foi conversa de pé de ouvido ou em roda de pescadores que tomei noticia daquele estranho costume. Se não fosse fato comprovado pelas dezenas de testemunhos ouvidos e recontados, eu seria o primeiro a desacreditar. Dona Arminda, mulher de fervor e temente aos mandamentos não mentiria só por interesse ou diversão. Ela, por insistência minha, narrou em detalhes a cena daquela arrepiante contenda com a filha dileta do chefe lá de baixo, das profundezas. O embate se deu logo ali, na saída do beco perto do Afonso Pena. E assim ela me resumiu aquele encontro que durou quase uma eternidade: " Ia eu passando com a mala de roupa na cabeça quando vi, a pouco mais de dois ou três passos de distância, dois olhos vermelhos me acuando. Era ela, a peçonhenta, filha da coisa ruim: uma cascavel de metro e meio mais ou menos. O que fazer numa hora dessas? Nada, meu filho!!! Minha sorte foi que passava pelo beco um sujeito de boné com uma capanga de lado. Então gritei baixinho, com a voz engolida pelo medo, socooorro!!!! Daí ele veio chegando, já meio que esbravejado quando da cena presenciada e recomendou: Fica parada Dona Arminda que ela é de veneta. Primeiro, chutou o chocalho dela deixando a bichinha numa raiva só. Depois foi cutucando a cobra, cutuca daqui, cutuca dali, e a cobra se enrolando preparando bote, mas não dava tempo: era ela começar a se enrolar e lá vinha outro cutucão. Ele cutucava, e ela enrolava, e eu lá olhando, mantendo distância. Dai ele me perguntou: é pra matar? Mal consegui balançar a cabeça, dizendo que sim. Daí ele deu um rodopio pelo corpo e num chute só, acertou em cheio na cabeça da desaforada, que saiu catando cavaco ladeira abaixo. Susto passado, me aprontei com a mala de roupa pra seguir beco arriba. Mas primeiro, fui agradecer o filho de Deus, o tal sujeito de boné e embornal. E não é que conhecia o danado: - Uai Maã é ocê?

    - Ô dona Arminda, sou eu mesmo.

    - Ah menino, ocê trata de tomar cuidado viu, que esse bicho é traiçoeiro.

    - Tenho medo não, já tô acostumado. Comigo, Cascavel é no chute.

    Muito tempo depois é que fiquei sabendo que vez ou outra o danado exercita o estranho costume de abrir picada em beira de rio pra pescador passar. Quando o mato é ermo ele vai à frente abrindo caminho, arredando ninhos de cobra, de qualquer espécie que seja - jararaca, canina, urutu, e claro, cascavel, a mais comum ali pelas beiradas do Indaiá e do Abaeté. Pescador é um bicho curioso, morre de medo de cobra.

     

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