Reconhecido em vida como expoente de primeira grandeza nos círculos literário e cultural de Minas, sua morte foi destaque nos grandes jornais e na principal universidade do Estado, a UFMG, onde se aposentou com professor.
A recente perda do professor e crítico Antônio Sérgio Bueno foi muito lamentada por colegas e ex-alunos. A reitora da UFMG, Sandra Regina Goulart Almeida, o definiu como “uma referência, um crítico brilhante, professor dedicado, que deixa um legado muito importante no campo da literatura". Bueno era autor de vários artigos e livros, com destaque para O modernismo em Belo Horizonte (1982), Afonso Ávila (1993) e Vísceras da memória: uma leitura da obra de Pedro Nava (1997).
Vítima de infarto, faleceu no dia 31 de maio último, aos 79 anos de idade. Nascido em São Gotardo, mudou-se ainda jovem para a capital mineira, sem nunca abandonar, no entanto, suas raízes. “Seu imenso amor por nossa terra”, como lembra Luís Sérgio Soares(texto anexo) é declarado em um desejo póstumo: gostaria que suas cinzas fossem espalhadas no campo do Sparta, na igreja matriz e no Rio Confusão, pontos de referência que marcaram sua infância até a juventude em São Gotardo.
Para os amigos, era dono de "elegante grandeza da simplicidade, característica dos grandes homens”. Tinha uma grande paixão pelo futebol, sendo torcedor do Atlético Mineiro e, principalmente, do time Sparta (do qual era um profundo conhecedor de escalações antigas).
Nesta reportagem especial, amigos conterrâneos de longa data prestam suas homenagens, e relembram experiências convividas ao longo de décadas.
Sérgio citava versos com a mesma naturalidade com que respirava, destaca Almerita em sua crônica de despedida. Edson Carlos, com quem mantinha fortes vínculos afetivos e profissionais, reforça a paixão de Sergio Bueno por seus times do coração, com destaque ao Sparta e ao Atlético Mineiro, e revisita a escalação do time de infância, que ele conhecia na ponta da língua.
Luís Fernando Prados relembra que, apesar de modesto, Sérgio era reconhecido por sua profunda compreensão literária, uma habilidade que o colocava em um patamar inigualável. Luiz Sérgio Soares descreve o amigo como um "desvelador de textos", alguém que encontrava preciosidades ocultas nas palavras e compartilhava sua beleza com o mundo.
Alma inquieta de menino beija-flor
Ficamos meio sem chão com a morte inesperada do nosso amigo Sérgio. Tudo o que eu li, tudo o que eu pensei que me capacitasse para o entendimento de perdas não funcionou desta vez. Sérgio não era apenas o amigo muito próximo. Era o que eu mais admirava.
Gostava de comentar notícias, poesias e livros com ele; gostava de que passasse pelo seu crivo de poeta a minha compreensão da vida e dos sentimentos. Conhecíamo-nos desde sempre.
Na infância era companheiro de bola dos meus primos e irmão. Conhecia meus pais, sabia da minha história, viu-me crescer. Na verdade, estou sem foco. As coisas, não passando mais pelo seu olhar, ficaram soltas, sem profundidade, sem sentido.
Quem dividirá comigo pedaços preciosos de nossas memórias, quem me compreenderá quando digo que a maior tragédia pessoal de um ser humano é um amor não correspondido? Ria, considerava, citava poetas e acabava lindamente dizendo palavras que compunham a minha máxima.
Lamentamos a perda recente de expoentes que farão muita falta ao mundo. Falamos do Papa Francisco, do Mujica, do Sebastião Salgado. Comentamos a Nana Caymmi cantando Resposta ao Tempo (letra de Aldir Blanc e Cristóvão Bastos).
Ele disse que gostou dos versos “chorei porque (o tempo) sabe passar e eu não sei” e “amores terminam no escuro, sozinhos”. Agora, lamento meu amigo se juntar a eles, privando-me da sua cultura, da sua bondade, levando o que nele eu mais amava - a sua alma inquieta de menino beija-flor.
Almerita
Quase de nada não sei
Antônio Sérgio Bueno, ou Serginho como o chamavam seus colegas e alunos da Letras da UFMG, gostava dessa frase do Riobaldo, o herói do Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. A Literatura – da boa, aquela que a gente lê e não entende tudo da primeira vez, nem da segunda, nem nunca – era talvez a sua quarta paixão. Ele não sabia, mas desconfiava, como o Riobaldo, de muita coisa! Matéria para um livro, que o Flávio Boaventura já projetou.
Agora vou falar do que ele sabia muito bem: a escalação do Sparta nos anos 1957-1960. Era o time do seu coração, como o Atlético Mineiro. E aí já revelei mais duas paixões: a segunda (Sparta) e a terceira (Galo).
No gol, Hélio ou Carlinhos, muito bons. Na zaga, Zé Pessoa, o jovem doutor que veio da Matutina fundar o Hospital Pio XII: voluntarioso e intenso nas intervenções, assim o definia. Ladinho, seu colega de zaga, completo na sua posição. Para o meio campo o Olavo Resende trouxe os profissionais Anchieta e Vado, para compor com o nosso Fernando Resende, professor de Matemática do Pio X, elegante como o Falcão. Na linha, como se dizia, a dupla de irmãos Dezinho, habilidoso, e Biba, engraçado como quê! Botões, de terrível canhota, que reclamava: dê o passe no meu pé, se passar longe não dá! E a dobradinha infernal de Zé de Castro, armador, o cérebro do time, de passes perfeitos; e o lendário Zé do Baiano, goleador, que o Sérgio nunca viu ninguém cabecear igual. Recorda também do Queiroz e do Careca, e do Leuzipe, que ficava no banco e garantia quando precisava dele. Esse era o time que deu muitas alegrias ao Sérgio entre os seus 10 e 14 anos, quando se mudou para BH.
Alegrias de menino ficam para sempre. Daí que, entre o seu querido Atlético contra o Sparta, não tinha dúvida: era Sparta na cabeça e no coração!
Conviveu com o Bougleux, ou Buglê, que ficou na história do Mineirão porque foi o primeiro a fazer gol no recém inaugurado estádio em 1965. Imagine sua alegria ao ver o amigo Buglê, que gostava de dormir na casa da dona Zuzita, mãe do Sérgio. Pedia licença à mãe dele, dona Maria Braga, diretora do Grupo Escolar Afonso Pena: posso, mãe, dormir lá hoje? Podia! Jogavam bola nas ruas. Depois Buglê ficou famoso, jogou com Pelé, Coutinho, craques todos!
O futebol foi uma de suas paixões: a quinta (talvez), porque ele jogava também, e bem, fazendo gols incríveis nas peladas de futsal do Estadual Central, ou atuando pelo Chapadão ou pelo Paideia. Histórias para outros artigos.
Não vou revelar a primeira paixão, que nem ele revelava. Mas também não precisa. Termino com um corretivo do Luís Fernando Prados, seu grande amigo (entre muitos). A escalação certa do Sparta era: “Hélio, Vado, Zé Pessoa, Anchieta e Fernando; Zé de Castro e Dezinho; Queiroz, Zé do Baiano, Pirola e Careca. Depois chegou o Botões, barrou o Careca”. Que se entendam lá o Sérgio e o Luís!
Edson Carlos
Sérgio Bueno viajou fora do combinado
Dos irmãos do Sérgio, o Nívio, abaixo dele, é da mesma idade minha, mas não da mesma sala no Grupo Escolar Afonso Pena. Eu conhecia o Osvaldim, o mais velho, amigo do meu irmão Oscar. Eles combinavam não era só pela letra “o” no começo do nome: Oscar e Osvaldo. Mas também pelo futebol. Aliás, naquele tempo futebol era o brinquedo preferido de todos. Sérgio também: centro-avante, marcador de gols. Sei que tem ainda os irmãos menores e as meninas, três, mas minha idade me aproximava mais do Nívio. Gostava de ouvir ele dar a escalação do time da Hungria, mas o único nome que sobrou na minha memória foi o de Puskas. Ele nomeava todo o plantel – a gente falava assim.
Meu grande amigo, porém, naquela época, era o Osvaldo pai, companheiro do meu no manejo do gado. Especialistas na castração de bois! Me lembro bem dos dois no curral, conversando e dando risadas. Seu Osvaldo, era assim que eu falava, passava perto de mim, levantava meu chapéu – sim, desde menino eu usava chapéu, tirava leite, tocava gado – ele levantava o meu chapéu, dava um tapinha de brincadeira na minha testa e falava: ô vaqueiro!
Mal sabia eu, nem o Seu Osvaldo sabia, que o filho dele, o Sérgio, o segundo da turma, seria a minha grande admiração na idade madura. Tive o prazer de bater longos papos via internet, ele, eu, o Edson e o Luís Sérgio, sobretudo depois da pandemia de 2020. E no lançamento do livro do Edson tive a oportunidade de lhe falar que eu o achava o melhor crítico literário do Brasil. Modesto, ele falou: ah, isso é coisa de conterrâneo. Sim, talvez, mas nem tanto!
Após ler o poema e depois os comentários feitos pelo Sérgio, os versos adquiriam brilho, beleza, eles fulguravam. Como diria o poeta Antônio Cícero: resplandeciam! Fico pensando, hoje, depois que meu amigo Sérgio viajou fora do combinado (como dizia o Rolando Boldrin), que sua percepção fina vinha de sua alma totalmente pura como não vi em ninguém mais. Éramos quatro conversando – ele, Luís Sérgio, eu e o Edson – mas sem dúvida, sem desmerecer ninguém, ele era o melhor.
Luís Fernando Prados
Um grande sangotardense
Com a alma alegre e entristecida, uno-me às justas homenagens a ANTÔNIO SÉRGIO BUENO, que está presente sempre em nossas conversas, mas já não participa delas com sua alegria, bondade e falas profundas.
Eu tive a honra de ser amigo deste desvelador de textos, a nos mostrar dentre os pedregulhos das palavras pedras preciosas que ele via e nos revelava.
Sua vida foi marcada pela elegante grandeza da simplicidade característica dos grandes homens. Professor de Literatura na UFMG, maior entendedor de Pedro Nava, correspondente do maior poeta brasileiro, Carlos Drummond de Andrade, participante de grupos de intelectuais do primeiro nível da cultura brasileira, continuava dando atenção a todos nós.
Seu imenso amor por nossa terra revelou-se ainda na sua despedida, pois levou consigo uma bandeira do time de nossa cidade e pediu que parte de suas cinzas fosse espalhada no campo do Sparta, outra parte na igreja matriz, onde viveu o encantamento de um amor juvenil, ao ver sua inesquecível amada coroar Nossa Senhora e uma terceira parte da qual eu não me lembro e, se pudesse, jogaria no Rio Confusão, de preferência no Poço das Moças.
Desculpe, Sérgio, pela pobreza deste texto, que eu sei, você homenagearia ou deixaria de comentar. Meu amigo, Antônio Sérgio Bueno, é um dos nossos cidadãos justamente amado por todos.
Luis Sérgio Soares