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    Quinta, 19 Setembro 2019 19:19

    Incêndio, inserção e consciência

    Escrito por Edson Carlos

    Vamos falar sobre incêndio, assunto do momento. A mata está pegando fogo. Muita gente preocupada, no Brasil e no mundo. Afinal a Amazônia é uma reserva florestal respeitável. São mais de 5 milhões de hectares de árvores, e debaixo delas vivem rios lindos, igarapés, onças, tamanduás, papagaios, grilos, formigas, além de ianomâmis, xavantes, índios que certamente têm a ver com aqueles tupiniquins e guaranis que moravam no litoral hoje conhecido como Espírito Santo, Rio de Janeiro e Bahia. Lá vão 500 anos!

    No entanto, não estão todos preocupados. Há também parte considerável de gente que comemora. Para eles o fogo não deixa de ser uma bênção, no sentido de que rapidinho libera uma enorme extensão de terras para plantio e pastagens, como se fazia antigamente. Imagine quanta soja, milho, arroz aquele mundão de hectares pode produzir, e quanto gado, filé, carne de primeira a exportar para a Europa e a China. Sem falar nos minérios: nióbio, urânio, tungstênio, sei lá o que pode haver naqueles ermos. Ficaremos ricos. E o Brasil finalmente deslanchará. De maneira que teremos que recorrer à palavra seguinte.

    E falar de inserção. Uma leitora do jornal Daqui cobrou-me essa postura: um jornal não pode se omitir, tem que levantar as questões, informar, provocar o debate, pois assim é que surgem as idéias, luzes, para nos orientar a conduta mais adequada. O jornal, as rádios, a televisão, as escolas, instituições em geral, todos têm esse compromisso.

    Afinal estamos inseridos na barca, juntos, e ela vai navegando no mar imenso. Se afundar, no mínimo todos molham. E quem está mais fraco ou não sabe nadar morre. Mas para introduzir a “consciência”, ocorreu-me uma comparação: ajuda a entender a relatividade das coisas. Einstein já demonstrou que tudo é relativo.

    Imagine uma criancinha no berço. Ela está quietinha, mas acordada e atenta. Observa tudo: os barulhinhos naturais do ambiente, a voz da mamãe, os ruídos na cozinha, talheres, água escorrendo, o maninho falando sem parar. Se bate a fome, ela resmunga ou abre o bué, aparece um seio macio cheio de leite. Se incomodada com o xixi, avisa. Essa criancinha está inserida, e bem, no universo. Mas poderia não estar. Vamos simular assim. Ela chora com fome, não vem ninguém; tá com frio, idem; os barulhinhos tão leves são trocados por um sonzão horroroso, e que nunca pára; e não adianta esguelar. Quando a atendem, com maus modos e xingos, parece que foi uma eternidade. Agora ela está mal inserida.

    O que isso significa? Que a qualidade da inserção não depende dela, mas de quem cuida, seja mãe ou babá. Vai depender da visão de mundo do cuidador. E aí entra a questão da consciência: afinal o que esse indivíduo pensa do mundo? Para ajudar a entender o sentido da palavra, consultemos o dicionário Aurélio: “consciência é o atributo altamente desenvolvido na espécie humana e que se define por uma oposição básica: é o atributo pelo qual o homem toma, em relação ao mundo, aquela distância em que se cria a possibilidade de níveis mais altos de integração”.

    Um nível mais alto de integração seria o da criança bem atendida. Se mal, o nível é baixo. Por quê? Porque quem atende não possui esse “atributo altamente desenvolvido”. Não é capaz de tomar aquela distância – entre ela própria e a criança – que possibilita um atendimento de nível mais alto: mais empático, carinhoso, do tipo: não faça ao outro o que você não quer para si próprio. Portanto: não grite, troque a fralda, dê a comidinha do nenê. Não coloque seus interesses egoístas de ir pra frente do espelho verificar se sua sobrancelha ficou bonitinha, ou colocar a rede social em dia. Fique ligada na criança, insira-se em seu meio com qualidade. Sua responsabilidade é grande, porque o adulto que essa criança será depende do cuidado que ela está recebendo.

    A floresta amazônica é a nossa criança. E tudo que está lá. Como vamos nos inserir na questão dos incêndios? Discutir quem botou fogo? As Ongs? Os índios? Quem sabe os próprios animais, desejosos de uma vida mais moderna e tecnológica? Os grileiros, posseiros, garimpeiros, fazendeiros de gado e soja? Quem sabe espiões de algum planeta inimigo, invejoso dessa nossa Terra azul e líquida?

    Com um esforço de observação podemos atingir o nível de consciência do sábio hindu que se afastava do caminho por onde andava para não pisar nas formigas, ocupadas em se abastecer enquanto as chuvas não vinham. As formigas estão inseridas em seu meio com um grau de consciência, que às vezes os humanos acham que elas não têm. E não devem estar gostando desse fogaréu. Sem falar nas onças e nos índios, que afinal também são gente.

     

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