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    Quinta, 25 Abril 2024 12:11

    Meu pai(parte 3)

    Escrito por Luiz Sérgio

    Afirmar que o próprio pai foi um homem sábio e bom contraria a mineirice e precisa ser justificado, o que tentarei fazer neste artigo. Primeiro, porque é que eu penso e moderar esta palavra seria faltar com a verdade. Depois, porque a sabedoria dele se estende a outros conterrâneos, como o Jaime Resende, meu sogro, Joanico Resende, Chico Moço, Divino Lopes, Mundinho Alves, Tonico Borges e muitos outros a serem acrescentados pelos leitores. Vejamos o que eles têm em comum.

    Meu pai foi um comerciante de muito sucesso e continuou sendo uma pessoa simples, atenciosa e amável, dando atenção a todos que o procuravam, como se tivesse todo o tempo do mundo, e se interessando pelo que a outra pessoa lhe dizia. Era absolutamente discreto, ouvia e só dava uma opinião se isso fosse solicitado. Esta é uma grande e escassa qualidade de algum tempo para cá. Foi o que levou o saudoso teólogo, padre João Batista Libânio, reservar um dia da semana para ouvir seus paroquianos de Vespasiano, apenas ouvi-los, sem qualquer julgamento. E denominou esta ação de escutatória! O armazém do Clarimundo era um lugar de escutatória...

    Ao longo da vida todos temos dissabores, experiências negativas e contato com mesquinharias, levamos facadas nas costas, sofremos injustiças e meu pai não foi uma exceção. O diferente é que não perdeu a alegria de viver e de conviver, nem buscou vingança ou ficou difamando quem agiu mal contra ele. Lembrei-me agora de Lucas 2,19 e 2,51, passagens segundo as quais Maria, mãe de Jesus, guardava o que ia vendo e vivenciando no coração e meditava sobre elas. Meu testemunho é que foi isso que meu pai vivenciou e permitiu a ele chegar ao fim da vida com alegria, achando sempre que todo mundo morria “muito novo”, mesmo que já tivesse 60, 70 anos ou mais.

    E por falar em morte, nenhum conterrâneo deixou de ter seu acompanhamento quando seu cortejo passava em frente ao armazém e seguia pela avenida Rio Branco em direção à última morada. Todos, conhecidos ou não, de qualquer classe social, tiveram a solidariedade de sua presença no momento final de sua caminhada por aqui. Na noite em que ele se deitou pela última vez estava com tudo arrumado para ir, na manhã seguinte, ao Rio Paranaíba despedir-se do Juca da Farmácia. Foi compassivo e misericordioso.

    “Lovable” é um termo da língua inglesa de que eu gosto muito e que não tem uma tradução simples em Português, mas que se aplica a muitas pessoas que a gente conhece. É aquela turma de quem a gente gosta de graça, por nada, que naturalmente chama a amizade dos outros e eu posso afirmar que meu pai foi desse tipo, pois a quase totalidade das pessoas fala bem dele para nós, o que nos enche de alegria e ternura.

    Quando eu retornava a São Gotardo, tinha além da alegria de rever amigos, a felicidade de ouvir os causos novos que papai, seo Jaime e João Bosco guardavam para me contar. Repasso três para vocês.

    Seo Jaime estava sentado no banco do jardim com amigos, quando chegou um candidato a vereador, mostrando uma lista com 180 nomes, pediu a ele que votasse no amigo dele, candidato, o Tonico das Botas, pois ele já estava eleito e se elegeria só com os votos da Matutina. Com a calma habitual, meu sogro falou que ia votar nele, mas mudaria de voto a seu pedido. Resultado: o Tonico foi eleito e o dono da lista teve 13 votos. Detalhe: o povo da Matutina não votava mais em São Gotardo!

    Noutra ocasião, chegou ao armazém um freguês bonitão que tinha levado um tiro na coxa esquerda, reclamando da injustiça: - “Veja, sô Clarimundo, eu estava lá na estrada pruma fazendinha, no carro, aconselhando a jovem esposa daquele infeliz a voltar para ele, quando ele sem dizer nada, atirou em mim, pela janela do meu fusquinha.” Papai estava pensando no que dizer, quando um dos funcionários falou:

    “- Que desperdício de bala, né¿ Ele podia ter te dado uma chifrada...” E foi uma gargalhada só e a vida seguia em frente, engordando o nosso folclore com histórias que iam sendo repassadas, aumentadas e recriadas.

    Há inúmeros casos de velórios, mas a melhor ouvi do Tião Franco. Eles estavam num velório, que na época era na casa do falecido e entrava madrugada a dentro. Passada a meia noite foram raleando as bebidas e os tira-gostos e os amigos presentes começaram a recolher dinheiro para alguém ir buscar o combustível para a turma da madrugada, até que a viúva quis contribuir e o XYZ, que estava coletando, recusou: “A senhora não, a senhora já entrou com o defunto!”

    Lembro-me, ainda, da bondade do Téo (Antônio Teóphilo) e do Vicente Teixeira, da alegria do Lipran e do Tião Franco, da espirituosidade do Hugo do João Lopes, do Nélson Bico Doce, do Julinho do Zé do Lino e do Tarcísio Melo, da espiritualidade do Luzardo. Quem cita comete sempre o pecado da omissão e eu conto com a boa vontade dos leitores, escrevam indicando outros conterrâneos e assumo o compromisso de mencioná-los em publicação futura, numa das quais pretendo falar dos apelidos e dos nomes inusitados do Arraial da Confusão.

    Se são perfumadas as mãos que espalham flores e abençoadas os mensageiros da paz, todas estas pessoas mencionadas neste texto merecem as bençãos dos céus e o nosso agradecimento. Acho que consegui justificar os adjetivos do título destes textos.

    Luiz Sérgio Soares – 20.02.2024 – com a colaboração do Marcinho em todos os artigos.

    luiz02Cachoeira do Salto – Foto de Thiago A Timao

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