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    Segunda, 17 Dezembro 2018 11:30

    Diga-me com quem você anda

    Escrito por Edson Carlos

    Muito antigamente, um mestre famoso resolveu dar uma festa. Todos estranharam. Nunca ele fora dado a festas! Seria para comemorar seus 100 anos? Uma celebração com os inúmeros discípulos? Perguntaram-lhe.

    A resposta levantou dúvidas e críticas. Era para homenagear seu mestre há anos falecido. Mas como? O senhor teve mestres? Seguia um mestre? Pois ensinou a todos nós que ninguém deveria seguir ninguém! Que o certo é cada um seguir a si próprio, pensar com a própria cabeça! Então? O senhor não estaria contradizendo os ensinamentos de uma vida inteira?

    O mestre balançou a cabeça, confirmando. Sim, ensinara. Por isso mesmo a homenagem que pretendia fazer era justa. Foi com seu antigo mestre que aprendeu. Passou a pensar com a própria cabeça e a andar nos próprios pés, isto é, a não seguir ninguém. A ser uma pessoa livre, autônoma, gente grande. Daí a homenagem.

    Trata-se de um paradoxo e a história leva a refletir.

    O fato é que pensar com a própria cabeça é difícil. Se perguntarmos, é quase certo que todo mundo vai falar: penso com a minha cabeça. Até uma criancinha fala isso. Aliás, elas mais que os adultos. Quanto mais bobinho, mais vai dizer: sim, penso com a minha cabeça.

    Verdade é que, primeiro, pensamos com a cabeça dos pais. Eles são atleticanos, somos também. Ateus, católicos, budistas? Somos também. Falam mal do fulano beltrano sicrano? Falamos também. Até os gestos, o tom de voz, a grosseria ou a delicadeza, imitamos também.

    Mesmo quando temos condição de perceber que eles estão erradíssimos. Às vezes, é um vício horroroso: jogar, por exemplo. Sou jogador porque meu pai também era. Bebo, porque meu pai morreu de beber. Trato minha mulher com total estupidez igualzinho meu pai fazia com minha mãe. Por aí vai. Nem com o batizado essa fixação costuma acabar. Porque, se o caro leitor pesquisar, vai ver que o significado do batizado é esse: agora você é filho de Deus e não dos seus pais. Veja se fica livre deles, pelo menos das manias mais horrorosas.

    Bem, depois você, como eu, como todos, teremos outras influências. Na escola, muitas. Principalmente porque lá é o lugar das diferenças. O convívio não será apenas com irmãos e primos, tios e avós, mas com filhos de adversários políticos, imigrantes, nordestinos, japoneses, ricos e pobres, feios e bonitos. E professores de variadas tendências: esquerdistas, direitistas, neutros, ativistas.

    Estão querendo eliminar essa variedade com o tal projeto Escola Sem Partido. Será que vão conseguir enquadrar todo mundo numa linha pura em busca do conhecimento científico? Difícil, uma vez que até a ciência tem suas inclinações partidárias.

    Mas a escola nem é, hoje, o principal influenciador de nossas cabeças não-pensantes. Quem mais faz nossos pensamentos é a Rede Globo. Por que, afinal, você, uma pessoa tão inteligente, come tanta porcaria? Porque a propaganda está lá na Globo! Por que a geração dos anos 50 a 80 fumou tanto hollywood e continental? Por que a propaganda estava lá, dizendo que fumar fazia as pessoas felizes. Foi um custo acabar com essa ideia besta. Agora até os fumantes “sabem” que não é tão legal assim! Por quê? Começaram a fazer nossa cabeça na televisão.

    Mas não é só a Globo. Tem também o SBT, a novela, o prestígio dos famosos, e a gente acaba bebendo coca-cola porque está lá: o jogador tal toma, o artista tal recomenda. E agora essa potência chamada internet, com instagram tuíter feice iutube netflix! É influência de todo tipo, boa e ruim.

    Claro, procuramos eleger influências de padrão mais elevado. Por exemplo: Jesus. Queremos segui-lo. Aliás, fazemos parte da “civilização ocidental e cristã”. Mas aí a pergunta: seguir Jesus é fácil? E quando ele fala para dar a cara a tapa, em vez de retrucar com canhões e bombas? E quando fala que o rico entrar no céu é difícil, sendo que o que mais buscamos é riqueza – material mesmo, dinheiro!? Como é que fica?

    Conclusão: vale a pena pensar com a própria cabeça? Valer vale, mas é difícil. Precisamos de mestres que nos ensinem essa coisinha simples: a ser críticos, gente grande, responsáveis. Isto é: a pensar com a própria cabeça. Até para podermos escolher as influências que valem a pena.

     

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