Logo topo

    Quarta, 28 Fevereiro 2024 23:21

    Meu pai, um homem sábio e bom(parte 1)

    Escrito por Luiz Sérgio

    Tive imensa dificuldade em escrever este texto, feito a pedido do editor do Jornal Daqui, em nossa primeira conversa quando me ofereci para ser colaborador deste periódico. Nós mineiros temos muita resistência a falar de nós mesmo e dos nossos, havendo até o ditado antigo: “Elogio em boca própria é vitupério”, que meu avô Francisco Caetano Quito usava muito. (Vitupério: insulto, injúria, ultraje).

    Clarimundo Alves Soares, meu saudoso pai, nasceu em Dores do Indaiá e veio criança para São Gotardo, com seu pai, Lino Francisco Soares, Oficial (construtor) de quem deve ter herdado o gosto por construir imóveis. Sua mãe foi uma bela mulher, de quem a Vera herdou os traços e o bom temperamento. Órfão desde muito cedo, teve o carinho da irmã Altiva, a quem chamava Fia e era sua primeira visita quando vinha à capital. Amoroso, sempre teve a estima dos irmãos Álvaro, Raimundo e Zezé do Lino, e das irmãs Altiva, Maria, Alice e Tininha, que foi freira com traços de santidade.

    Amou nossa cidade como ninguém. Aqui aplicou tudo o que ganhou numa dura vida de comerciante e empreendedor. Não pôde seguir os estudos, mas a falta de escolaridade não o impediu de acompanhar o mundo. Lia diariamente o “Estado de Minas” e acompanhava o noticiário, primeiro pelo Repórter Esso, no rádio, e depois pela televisão. Admirava e respeitava quem tinha um diploma, mas podia discutir a maioria dos assuntos com qualquer um e gostava sobretudo de quem tinha uma prosa boa.

    Menino ainda, nas madrugadas frias daqui, saía com o tabuleiro de pães na cabeça pela cidade para entrega aos fregueses da padaria do seu pai. Desse tempo falava pouco e eu pouco sei, tendo alguma notícia dele pelo que minha mãe contava, pois ele pouco falava de si mesmo.

    Teve uma venda, que depois se tornou mercearia onde hoje é o Supermercado Mineirão, do Bertinho. Matava porco, vendia quitandas e doces, bem como produtos que os fazendeiros traziam da roça. Vendia fiado e conhecia os costumes dos fregueses. Uma vez, eu o presenciei perguntar do seu escritório: “Quem foi que anotou Toddy na caderneta do Frederico¿ Ele não compra isso.”

    Gostava de trabalhar e passava isso para o ambiente de trabalho, onde acolhia jovens e os preparava para a vida, ajudando-os financeiramente quando iniciavam uma nova empresa. Trocava ideias com os outros comerciantes do mesmo ramo e sempre manteve boas relações com eles.

    Quando eu fui para Brasília, hospedei-me num hotel de um conterrâneo, homem simpático e divertido, que chamou o gerente e disse: “Atenda este moço em tudo que precisar, quando minha mãe ficou viúva, carregada de filhos, opai dele não cortou o fornecimento do armazém, sem qualquer perspectiva de recebimento em curto ou médio prazo”. Ele nunca tinha nos falado disso e ao longo da vida fomos ouvindo relatos similares, culminando com uma mulher simples que, visitando minha mãe, falou: “Dona Adélia, desde que o seu Clarimundo morreu, nunca mais comi bacalhau.” Na Semana Santa ele distribuía mantimentos para os pobres e incluía um pedaço do mesmo bacalhau (bom) que vendia para os demais clientes.

    Para terminar, desfaço uma confusão generalizada pela qual as pessoas consideram inteligente quem é apenas bom nas coisas de escola ou leu muito, isso é erudição e não torna ninguém melhor ou pior. Outra coisa é a sabedoria, que é a capacidade de enfrentar bem os problemas que a vida inevitavelmente nos traz e de tornar mais agradável a caminhada de quem teve a felicidade de conviver com ele, Clarimundo Alves Soares, um homem sábio e bom.

     

    Encontre-nos

    Edição atual

    jd170 pag01

    © 2023 Jornal DAQUI - Todos os direitos reservados.