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    Quarta, 27 Dezembro 2023 21:27

    Silêncio (só) no cemitério

    Escrito por Edson Carlos

    Seu Antônio, ao falar de seu antigo local de trabalho, abaixa a voz: muito bom, tudo caladinho, sem barulho, você escuta até formiga caminhando. Era o cemitério. Parece ser o espaço que restou ao agoniado e insone vivente do século XXI para livrar-se do barulho.

    Porque em casa, mal bota a cabeça no travesseiro, o vizinho liga o som no último volume para ouvir o heavy metal do Sepultura. Reclamar ou fazer BO nem sempre resolve. Insônia na certa. O jeito é ir ao doutor, que receitará amitriptilina, diazepam, nortriptilina, bromazepam, alprazolam, sem garantia de bom sono. E há os efeitos colaterais: dores musculares e de cabeça, prisão de ventre, boca seca, dificuldade de concentrar, tontura, humor instável. Misturada de remédios pode camuflar uma diabete, pressão alta, AVC. Se sobreviver, arrisca ficar dependente dos benzodiazepínicos, levar tombos e cair na demência! Existe até uma ICSD (sigla para “Classificação Internacional de Distúrbios do Sono”), que propõe ajudar as vítimas (todos nós) apontando sintomas: dificuldade para dormir, preguiça para cumprir compromissos, déficit de atenção e memória, hiperatividade, não consegue desligar o som, impulsividade, agressividade, cansaço, perda de motivação, dificuldades no ambiente familiar, escolar ou ocupacional, propensão a acidentes, sonolência diurna.

    Este é um assunto pouco falado mas presentíssimo no dia-a-dia: barulhos acima de 55 dB (decibéis). Entre num supermercado. Sempre haverá um SOM LIGADO direto e reto. Para o cliente que fica minutos, a perturbação nem é sentida. Mas para os funcionários tem um efeito arrasador, segundo o American College of Physicians (ACP) (Colégio Americano de Médicos). Para o ACP, todos os pacientes adultos devem receber TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental) como tratamento para insônia, provocada sobretudo por ruídos. A OMS (Organização Mundial de Saúde) alerta: mais de 55 decibéis, saúde mental em perigo. A partir de 85, pode ficar surdo. Pensando bem, vivemos num ambiente de barulho infernal. Basta transitar por uma rua como a Bento Ferreira e contar as caixas de som voltadas para as vítimas que transitam nas calçadas. Pior para quem trabalha ali. Talvez elas nem relacionem seu estresse, pressão alta e brigas com vizinhos aos decibéis que entram por suas orelhas.

    Quem dorme mal, ganha peso. No sono, o organismo produz leptina, responsável pela sensação de saciedade; não dormindo, produz grelina, que reduz o gasto de energia e faz engordar; fica sem leucócitos para combater corpos estranhos; vírus e bactérias atacam com gripes, resfriados, infecções etc. O metabolismo endoida: daí o cansaço, ansiedade, dores, sensação de fome. Com baixa concentração, estudar é difícil, e fácil sofrer acidentes. O corpo não produz melatonina, reparador da pele; você envelhece, fica nervosinho, perde a memória, desregula a pressão, cai num alerta permanente.

    Talvez não seja necessário acrescentar mais porcarias para sensibilizar as pessoas. Há leis sobre o assunto, mas fraquinhas e nada respeitadas, a critério dos 5.500 municípios brasileiros. As poucas normas federais são escanteadas para a Lei de Contravenções Penais (3.688, de 1941), que determina multa de 200 mil réis a 2 contos de réis e prisão até 90 dias para quem “perturbar o sossego alheio” com gritaria, instrumentos sonoros, e não impedir barulho de animal de que tem a guarda. Nossa lei municipal 1.565, de 2002, considera prejudiciais ao sossego ruídos superiores a 85 dB. É como ficar exposto a uma cachorrada latindo o dia inteiro em seus ouvidos. A “lei do silêncio”, que existe em abstrato, recomenda 50 dB entre 22h e 07h; para o dia, até 70. E o Código Civil, no sumido artigo 1.277, determina que o morador “tem direito de fazer cessar as interferências prejudiciais ao sossego provocadas pelo vizinho”.

    Como enfrentar caixas de som de vizinhos, bares, carros, ruas e lojas? Para resolver, a comunidade precisa primeiro tomar consciência de que é um problema; segundo cobrar das autoridades. Ou conformar-se com tampões nos ouvidos, uma boa anfetamina, chazinho de erva-cidreira, suplementos de magnésio ou um leitinho morno. Se não resolver, vai pro cemitério!

     

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