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    Segunda, 27 Março 2023 22:49

    Gratidão com mãos postas e reverência

    Escrito por Edson Carlos

    No século passado, fui surpreendido com alguém me chamando de “bicho”. Não gostei. Quando identifiquei o carioca cabeludo meu amigo Henrique, vindo com a cara mais alegre do mundo me abraçar, compreendi que “bicho” era gíria amistosa que ele trazia da ex-capital. Ah, perfeitamente, bicho pra cá pra lá e ficamos irmanados. Agora, século XXI, outra novidade: essa linda palavra “gratidão”, acompanhada por leve reverência com a cabeça e mãos em atitude de reza. Da segunda, terceira, enésima vez, vi que se tratava, de gíria talvez, mas sobretudo de uma nova maneira de encarar o mundo.

    Ora, pessoas gratas, reconhecidas, que coisa mais boa!

    Isso me deu um “clique”, tipo aquele do apóstolo Paulo quando caiu do cavalo há 2.000 anos. Não é de ver, pensei, que a gente tem mais é que agradecer mesmo? Pois vou tomar a liberdade de contar o que me sucedeu em recente viagem.

    Saio de Minas para São Paulo, 800 km, com 20 reais no bolso. Lá me hospedo, ando de metrô e ônibus (sem pagar), úber (a netinha pagou no cartão), almoço, lancho, janto, visito lugares, praças, pinacoteca, masp, passeio pela Paulista, Faria Lima, vou ao Museu do Esporte no Pacaembu, etc. etc. E regresso de ônibus Executivo. Já em meu assento, pronto para partir, entra alguém pedindo pelamordedeus me ajudem, estou com mulher e filho precisando voltar para o Nordeste e sem dinheiro pra passagem. Pego a nota de 20 e a dou ao pai de família, que junta as mãos e reverente fala “gratidão”.

    Imagine quantas mãos postas devo erguer para quem me hospedou, alimentou, pagou tudo, sorvetes e sobremesas, e me levou pra baixo pra cima, me deu atenção, conversamos, debatemos, rimos! Imaginou?

    Embalado por esse sentimento, pausei para dar um balanço em quanta coisa agradecer. A UFMG, que formou meus filhos. Não paguei matrícula, mensalidade, tiveram bandejão a preço simbólico, tornaram-se aptos a trabalhar e pagar suas contas. A escola primária, que até merenda lhes deu. Teria condições de pagar o particular? Aluguel, água, luz, mercado, condução já eram difíceis. Portanto: gratidão à Escola Afonso Pena, Oscar Prados, São Pio X, CESO, UFMG. E a quem teve a feliz ideia de colocar a educação pública no orçamento. Gratidão ao Posto de Saúde, que me vacinou 4 vezes contra covid, para não falar na pólio, meningite, sarampo, varíola, tuberculose, etc. Ao SUS, que me ajudou a restaurar os pulsos quebrados, tirando chapa, colocando gesso, fazendo os “procedimentos” necessários. Não paguei nada. No particular, seria no mínimo penoso!

    Por último, aos contribuintes, porque deles vem o dinheiro.

    Boa moda, portanto, esta da “gratidão”. Quanta coisa agradecer: a mesa servida com comida gostosa, a quem fez, plantou, cultivou, carregou, embalou. Claro que pagamos, mas a simples atitude de reconhecer torna produtos e relações mais doces e saudáveis. Agradecer a quem limpa, lava, guarda na gaveta e você acha quando procura.

    Essa “linha filosófica” que o pensamento adota desencadeia uma bomba atômica de gratidões. Gratidão pela luz, estrada, carro, internet. E o sol? Sem ele, mofamos. As plantas não vingam, podemos morrer de frio mesmo agasalhados. E a chuva? Sem ela, podemos irrigar, mas por pouco tempo. Faltará água. De repente, descobrimos que a Natureza toda nos acolhe. Até os bichinhos, de alguma forma desconhecida, nos ajudam.

    Uma coisa é certa: quem agradece vive em estado de graça, e jamais – JAMAIS – irá pegar uma espingarda e matar sete pessoas porque perdeu no jogo de sinuca. Vou trocar “obrigado eu” por “gratidão” (de verdade!). Gratidão a todos por lerem o DAQUI.

     

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